A última "Conversa em Família"
Difundida através da televisão e da rádio no dia 28 de Março de 1974, poucos dias volvidos após a malograda tentativa do golpe militar de 16 de Março, das Caldas da Rainha, a última "Conversa em Família" do presidente do Conselho, Marcello Caetano, deixa transparecer as graves dificuldades que o regime vinha sentindo para se manter no poder.
Aumentava a pressão diplomática na frente externa, a guerra colonial arrastava-se sem solução e a contestação interna que se conseguia fazer ouvir, clamava por reformas... Menos de um mês após Marcello Caetano se dirigir ao país, a "Revolução dos Cravos" fazia cair, quase sem um lamento, um regime velho de 48 anos, que teimara em não acompanhar os ritmos do seu tempo.
«Desde meados de Fevereiro até agora tenha recebido de todos os recantos do País, de aquém e além-mar, milhares de mensagens de apoio, de incitamento, de estímulo. Tantas que não é possível acusar aos remetentes a sua recepção. Nem sequer responder centenas de cartas de pessoas amigas, algumas delas tão comoventes. Fica aqui o meu agradecimento a todos. Deus permita que eu seja sempre digno da confiança dos bons portugueses. Por isso me tenho esforçado. Olhando para o trabalho realizado nos cinco anos e meio governo, fazendo exame de consciência sobre as intenções que me têm norteado e os atos que tenha cometido, fica-me a tranquilidade de ter sempre procurado cumprir retamente o meu dever para com o País, que o mesmo é dizer, para com o Povo Português. Consola-me ouvir dizer a muitos, estrangeiros ou que no estrangeiro residam habitualmente, mas que nos visitam de quando em vez, que é visível a profunda transformação da vida nacional e todos os setores, a partir de acentuada melhoria econômica e da aceleração da política social. Essa transformação rápida tem um custo. A muita gente aflige ver a modificação de hábitos, de mentalidade e de costumes que se processa na sociedade portuguesa. E que nem sempre é para melhor. Tínhamos, e graças a Deus ainda há muito quem tenha, uma bondade natural no trato com os outros um espírito de afabilidade no acolhimento dos estranhos, um respeito recíproco nas relações sociais, uma compreensão das dificuldades alheias, uma contenção púdica de sentimentos, que vão cedendo cada dia mais aos impulsos do egoísmo. O egoísmo é a lepra da humanidade contemporânea. À medida que se vai implantando a convicção de que esta vida são dois dias, dos quais importa tirar o máximo do prazer sem qualquer esforço e suceda aos outros o que suceder, desfazem-se as famílias, desmoronam-se os exércitos e ruem os Estados. A vida em sociedade implica numa atitude de solidariedade e de colaboração que exige dádiva de si próprio, sacrifício de interesses, espírito de serviço, integração em planos coletivos. Mas o egoísmo materialista desfaz tudo isso. Nega-se ao sacrifício, escusa-se a servir o próximo, aborrece a obediência às leis e a quem as executa, instaura a indisciplina em todos os setores, recusando-se a acatar outra norma que não seja a das conveniências pessoais de cada um. Quantas vezes as pessoas se queixam de injustiças, por não lhes ser feita a vontade! Para muitos justiça é o que lhes convém. Estamos perante a invasão de uma mentalidade que grassa já na maior parte dos países e que, infelizmente, está longe de ser um sinal de progresso. Por esse caminho progride-se sim, mas para a anarquia. E como os povos não podem viver anarquicamente, é fatal que a reação virá sob a forma de um férreo regime de autoridade. Os regimes comunistas são implacáveis para com os anarquistas. E, não tenhamos dúvida, se alguma fórmula socialista viesse a estabelecer-se no Ocidente — do que Deus nos defenda! — não seria anarquismo romântico nem sequer a social-democracia conformista, mas sim um coletivismo tirânico, cuja ditadura levaria muitos anos a evoluir para regimes mais humanos. A melhoria das condições econômicas e sociais da vida portuguesa tem-se assim processado num clima de dificuldades de toda a ordem — de ordem externa e de ordem interna — num mundo a braços com uma alta generalizada e incontida de preços, a que corresponde a crise do valor das moedas, numa época politicamente agitada e na qual Portugal é obrigado a sustentar a defesa de uma grande parte do território nacional. Poucos se aperceberão do esforço titânico que tem sido realizado pelos homens do Governo para, no meio de tantos obstáculos, com serviços administrativos inadequados às circunstâncias, tendo de vencer hostilidades incontáveis e de, a cada passo, ocorrer a situações inesperadamente graves, ir prosseguindo no caminho traçado de proporcionar ao País, com a rapidez necessária, os meios indispensáveis à valorização da nossa gente e ao fomento das riquezas nacionais. Tem-se a Nação recusado a abandonar as terras de além-mar onde grandes comunidades vivem e progridem como núcleos integrantes da Pátria Portuguesa. Não se trata de territórios adquiridos de fresca data, onde meia dúzia de funcionários e de empresários explorem velhas nações subjugadas. Mas de grandes regiões descobertas pelos portugueses de há cinco séculos, ocupadas, primeiro, nas costas marítimas do irradiou a influência para vastos sertões despovoados, ou quase, interior, pelos quais divagavam tribus selvagens nas mais primitivas condições de vida. Foi Portugal que fez Angola; foi Portugal que criou Moçambique. E nessas duas grandes províncias se fixaram milhares de famílias que para lá levaram as concepções e as técnicas da civilização, lá plantaram fazendas, lá estabeleceram indústrias, lá rasgaram estradas e disciplinaram rios, lá ergueram cidades modernas, que o orgulho de Portugal e da África. De todas as infâmias que os adversários da nossa presença em África têm posto a correr contra nós e alguns portugueses infelizmente repetem, confesso que me fere mais a de que defendemos o Ultramar para favorecer os grandes interesses capitalistas. Os comunistas e seus aderentes professam uma doutrina simplista que fornece explicações fáceis e unilaterais para todas as coisas. O capitalismo, para eles, está por toda a parte e explica tudo quanto se faz e não faz. Já mais de uma vez tenho declarado que, se em Angola e Moçambique houvesse apenas grandes interesses capitalistas, bem nos podíamos desinteressar da sua defesa, porque empresas poderosas defendem-se muito bem a si próprias e encontram sempre maneira de se entender com quem manda e pode. Não. O que defendemos em África são os portugueses, de qualquer raça ou de qualquer cor, que confiam na bandeira portuguesa; é o princípio de que os continentes não são reservados a raças, mas neles deve possível, para aproveitar os espaços vazios e valorizar as riquezas inertes, o estabelecimento de sociedades multirraciais; é o direito dos brancos a viver nos lugares que tornaram habitáveis e trouxeram à civilização, e a participar no seu governo e administração. Num mundo que proclama a luta contra o racismo, que nega a legitimidade das discriminações raciais, é isso mesmo que defendemos: a possibilidade de, na África Austral, onde de longa data os europeus se fixaram, prosseguirem a sua evolução sociedades políticas não baseadas na cor da pele. Manter o caráter português que há-de moldar o futuro das nossas províncias ultramarinas, conferir segurança a quantos, sob a égide de Portugal, vivem em África e contribuem para nela se radicar a civilização e a cultura que representamos — eis uma causa que justifica os sacrifícios econômicos e o tributo de sangue da Nação. Os soldados que em África se batem, defendem valores indestrutíveis, e uma causa justa. Disso se devem orgulhar e por isso os devemos honrar. Contrariam esta política os racistas africanos que hoje pretendem a expulsão dos brancos da África e só admitem que a África seja governada por pretos. E nisto são acompanhados por muitos países que não conhecem ou não compreendem a orientação portuguesa ou pensam convir-lhes não se oporem ao que julgam ser a fatalidade da História. Para todos esses não há outra coisa a fazer por Portugal senão o abandono puro e simples do Ultramar Português. Ainda há pouco isso foi afirmado uma vez mais. A propósito da publicação em Portugal de um livro em que se faz a análise da nossa posição frente ao problema ultramarino, a Imprensa internacional e os nossos costumados adversários apressaram-se a perfilhar e proclamar tudo o que nessa análise lhes pareceu favorável às suas teses. Mas repudiando simultaneamente qualquer solução que não fosse a entrega imediata do Ultramar aos movimentos chamados “de libertação”. Num “Comitê”, chamado dos 24, das Nações Unidas, que se ocupa da descolonização e por isso nos tem continuamente sob o fogo cerrado dos seus ataques, o repúdio de tudo quanto não seja a entrega aos movimentos terroristas nos termos preconizados na célebre resolução da ONU nº 1514, a que já noutras ocasiões me referi, foi repetidas vezes afirmado pelo observador do M. P. L. A., pelos delegados da Tanzânia, da Indonésia, da Austrália, da Tunísia, do Congo, da Etiópia... E na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos o deputado negro Sr. Diggs, bem nosso conhecido, claramente afirmou que a solução federal para as províncias ultramarinas não poderia ser aceite pelos Estados Unidos nem pelos países africanos. No que todos os estrangeiros, desejosos de nos ver despojados do Ultramar, jogam é no colapso da retaguarda em Portugal. Isso viu-se no entusiasmo com que os meios de informação de tantos países seguiram e avolumaram o episódio militar que a irreflexão e talvez a ingenuidade de alguns oficiais, lamentavelmente, produziu há poucos dias nas Caldas. Ficou o mundo mais bem informado do que se passa em Portugal? Há por aí frequentes queixumes de que não temos por cá informação completa. Nada, porém, do que de verdadeiro se passa e que ao público interesse deixa de ser trazido ao conhecimento dele. Mas não é informar bem o público deitar mão a todos os mexericos, a todas as intrigas, a todas as fantasias, ouvidas nas mesas dos cafés ou a algum intrujão imaginativo, para as lançar cá para fora como grandes e sensacionais revelações. Inventam-se tremendas oposições entre pessoas que mutuamente se respeitam e de comum acordo atuam; divisões internas onde só reina harmonia de vistas; conluios suspeitos em casos em que estão perfeitamente definidas as posições e assumidas as responsabilidades... Não fica informado o público que escuta mentiras. O facto de o boato ser propalado por jornais ou por emissoras não lhe tira o caráter de boato. Na guerra de 1914-18, quando Portugal começou a mandar tropas para a França e para a África, as paredes encheram-se de cartazes em que o Governo aconselhava, entre outras coisas: despreza os boateiros... Está claro que em tempo de guerra ou quando há soldados a arriscar as suas vidas não se pode estar a revelar fatos ou planos que permitam ao inimigo trabalhar pelo seguro e matar a nossa gente. Devo dizer que nisto não somos suficientemente cautelosos. Fala-se demais. E ao condicionar-se a informação não pode deixar de se ter em conta que, de um deslize ou de uma imprudência, pode depender a segurança e a vida de quem está na área da ação do s terroristas ou na zona dos combates contra eles. É inegável que entre a mera curiosidade de alguns senhoritos, que gostam de saber novidades, enquanto tomam o seu café, e a vida dos nossos colonos e dos nossos soldados, não há que hesitar. Gemam embora alguns por não saberem tudo quanto quereriam da marcha das campanhas — não é só a salvação pública que está em causa, é a segurança dos nossos, tantos deles filhos ou parentes de muitos de nós. Todavia, os comunicados periódicos dos comandos das Forças Armadas não ocultam nada do que pode e convém ser conhecido. Voltando ao alvoroço de certos meios de informação estrangeiros, quando vislumbraram a divisão das Forças Armadas em Portugal: não acham que é motivo de meditação? Há pouco, referi-me à irreflexão dos oficiais que se lançaram na aventura de há dias. Irreflexão, por não considerarem que em tempo de guerra subversiva toda a manifestação de indisciplina assume particular gravidade. Irreflexão, por não terem em conta que há manobradores políticos, cá dentro e lá fora, prontos a explorar todos os episódios de que possam tirar partido, para cavar dissensões internas e minar os alicerces do Estado, e para fazer beneficiar interesses do estrangeiro. Não nos esqueçamos de que o estrangeiro trabalha, sobretudo, para o que lhe convém: não está empenhado em, generosa e desinteressadamente, cuidar do bem do povo português. Pode dizê-lo: mas não é verdade. Como recordava há pouco, neste mundo selvagem em que vivemos, cada um trata de si. Ai de nós se não tivermos perfeita consciência dos nossos interesses e não soubermos defendê-los. Os estrangeiros não podem sentir o que nós sentimos quando estamos em África e passamos por Massangano, onde os portugueses do século XVII defenderam Angola, ou pela ilha de Moçambique, onde no século XVI residiu Camões. Não o esqueço eu. Não esqueço a jubilosa multidão nativa que espontaneamente me cercou em Bissau, quando, de surpresa, entrei sozinho na Catedral. Nem o acolhimento entusiasta da população de Luanda. Nem a chegada a Lourenço Marques, numa atmosfera de indescritível alegria, que fez durar horas o trajeto do aeroporto à Ponta Vermelha, constantemente saudado e abraçado por gente de todas as etnias. Nem a juventude da Beira, que me acompanhou nas suas motocicletas, e o colorido da visita à cidade com passagem pelos bairros chineses e industânicos. Nem o espantoso remate com a visita a Nova Lisboa, e a caminhada, a pé, do aeroporto ao Palácio do Governo, no meio de milhares de brancos e pretos, cercado de jovens, na mais exaltante e esfuziante manifestação de patriotismo que me foi dado até hoje viver e que culminou, à noite, com a multidão iluminada por archotes, ao redor da estátua de Norton de Matos, em frente da varanda do palácio onde me encontrava, a entoar, num coro grandioso, o Hino Nacional. Julgam que posso abandonar esta gente que tão eloqüentemente mostrou ser portuguesa e querer continuar a sê-lo? Não. Enquanto ocupar este lugar não deixarei de os ter presentes, aos portugueses do Ultramar, no pensamento e no coração. Procuremos as fórmulas justas e possíveis para a evolução das províncias ultramarinas, de acordo com os progressos que façam e circunstâncias do mundo: mas com uma só condição, a de que a África portuguesa continue a ter a alma portuguesa e que nela prossiga a vida e a obra de quantos se honram e orgulham de portugueses ser!.»
Difundida através da televisão e da rádio no dia 28 de Março de 1974, poucos dias volvidos após a malograda tentativa do golpe militar de 16 de Março, das Caldas da Rainha, a última "Conversa em Família" do presidente do Conselho, Marcello Caetano, deixa transparecer as graves dificuldades que o regime vinha sentindo para se manter no poder.
Aumentava a pressão diplomática na frente externa, a guerra colonial arrastava-se sem solução e a contestação interna que se conseguia fazer ouvir, clamava por reformas... Menos de um mês após Marcello Caetano se dirigir ao país, a "Revolução dos Cravos" fazia cair, quase sem um lamento, um regime velho de 48 anos, que teimara em não acompanhar os ritmos do seu tempo.
«Desde meados de Fevereiro até agora tenha recebido de todos os recantos do País, de aquém e além-mar, milhares de mensagens de apoio, de incitamento, de estímulo. Tantas que não é possível acusar aos remetentes a sua recepção. Nem sequer responder centenas de cartas de pessoas amigas, algumas delas tão comoventes. Fica aqui o meu agradecimento a todos. Deus permita que eu seja sempre digno da confiança dos bons portugueses. Por isso me tenho esforçado. Olhando para o trabalho realizado nos cinco anos e meio governo, fazendo exame de consciência sobre as intenções que me têm norteado e os atos que tenha cometido, fica-me a tranquilidade de ter sempre procurado cumprir retamente o meu dever para com o País, que o mesmo é dizer, para com o Povo Português. Consola-me ouvir dizer a muitos, estrangeiros ou que no estrangeiro residam habitualmente, mas que nos visitam de quando em vez, que é visível a profunda transformação da vida nacional e todos os setores, a partir de acentuada melhoria econômica e da aceleração da política social. Essa transformação rápida tem um custo. A muita gente aflige ver a modificação de hábitos, de mentalidade e de costumes que se processa na sociedade portuguesa. E que nem sempre é para melhor. Tínhamos, e graças a Deus ainda há muito quem tenha, uma bondade natural no trato com os outros um espírito de afabilidade no acolhimento dos estranhos, um respeito recíproco nas relações sociais, uma compreensão das dificuldades alheias, uma contenção púdica de sentimentos, que vão cedendo cada dia mais aos impulsos do egoísmo. O egoísmo é a lepra da humanidade contemporânea. À medida que se vai implantando a convicção de que esta vida são dois dias, dos quais importa tirar o máximo do prazer sem qualquer esforço e suceda aos outros o que suceder, desfazem-se as famílias, desmoronam-se os exércitos e ruem os Estados. A vida em sociedade implica numa atitude de solidariedade e de colaboração que exige dádiva de si próprio, sacrifício de interesses, espírito de serviço, integração em planos coletivos. Mas o egoísmo materialista desfaz tudo isso. Nega-se ao sacrifício, escusa-se a servir o próximo, aborrece a obediência às leis e a quem as executa, instaura a indisciplina em todos os setores, recusando-se a acatar outra norma que não seja a das conveniências pessoais de cada um. Quantas vezes as pessoas se queixam de injustiças, por não lhes ser feita a vontade! Para muitos justiça é o que lhes convém. Estamos perante a invasão de uma mentalidade que grassa já na maior parte dos países e que, infelizmente, está longe de ser um sinal de progresso. Por esse caminho progride-se sim, mas para a anarquia. E como os povos não podem viver anarquicamente, é fatal que a reação virá sob a forma de um férreo regime de autoridade. Os regimes comunistas são implacáveis para com os anarquistas. E, não tenhamos dúvida, se alguma fórmula socialista viesse a estabelecer-se no Ocidente — do que Deus nos defenda! — não seria anarquismo romântico nem sequer a social-democracia conformista, mas sim um coletivismo tirânico, cuja ditadura levaria muitos anos a evoluir para regimes mais humanos. A melhoria das condições econômicas e sociais da vida portuguesa tem-se assim processado num clima de dificuldades de toda a ordem — de ordem externa e de ordem interna — num mundo a braços com uma alta generalizada e incontida de preços, a que corresponde a crise do valor das moedas, numa época politicamente agitada e na qual Portugal é obrigado a sustentar a defesa de uma grande parte do território nacional. Poucos se aperceberão do esforço titânico que tem sido realizado pelos homens do Governo para, no meio de tantos obstáculos, com serviços administrativos inadequados às circunstâncias, tendo de vencer hostilidades incontáveis e de, a cada passo, ocorrer a situações inesperadamente graves, ir prosseguindo no caminho traçado de proporcionar ao País, com a rapidez necessária, os meios indispensáveis à valorização da nossa gente e ao fomento das riquezas nacionais. Tem-se a Nação recusado a abandonar as terras de além-mar onde grandes comunidades vivem e progridem como núcleos integrantes da Pátria Portuguesa. Não se trata de territórios adquiridos de fresca data, onde meia dúzia de funcionários e de empresários explorem velhas nações subjugadas. Mas de grandes regiões descobertas pelos portugueses de há cinco séculos, ocupadas, primeiro, nas costas marítimas do irradiou a influência para vastos sertões despovoados, ou quase, interior, pelos quais divagavam tribus selvagens nas mais primitivas condições de vida. Foi Portugal que fez Angola; foi Portugal que criou Moçambique. E nessas duas grandes províncias se fixaram milhares de famílias que para lá levaram as concepções e as técnicas da civilização, lá plantaram fazendas, lá estabeleceram indústrias, lá rasgaram estradas e disciplinaram rios, lá ergueram cidades modernas, que o orgulho de Portugal e da África. De todas as infâmias que os adversários da nossa presença em África têm posto a correr contra nós e alguns portugueses infelizmente repetem, confesso que me fere mais a de que defendemos o Ultramar para favorecer os grandes interesses capitalistas. Os comunistas e seus aderentes professam uma doutrina simplista que fornece explicações fáceis e unilaterais para todas as coisas. O capitalismo, para eles, está por toda a parte e explica tudo quanto se faz e não faz. Já mais de uma vez tenho declarado que, se em Angola e Moçambique houvesse apenas grandes interesses capitalistas, bem nos podíamos desinteressar da sua defesa, porque empresas poderosas defendem-se muito bem a si próprias e encontram sempre maneira de se entender com quem manda e pode. Não. O que defendemos em África são os portugueses, de qualquer raça ou de qualquer cor, que confiam na bandeira portuguesa; é o princípio de que os continentes não são reservados a raças, mas neles deve possível, para aproveitar os espaços vazios e valorizar as riquezas inertes, o estabelecimento de sociedades multirraciais; é o direito dos brancos a viver nos lugares que tornaram habitáveis e trouxeram à civilização, e a participar no seu governo e administração. Num mundo que proclama a luta contra o racismo, que nega a legitimidade das discriminações raciais, é isso mesmo que defendemos: a possibilidade de, na África Austral, onde de longa data os europeus se fixaram, prosseguirem a sua evolução sociedades políticas não baseadas na cor da pele. Manter o caráter português que há-de moldar o futuro das nossas províncias ultramarinas, conferir segurança a quantos, sob a égide de Portugal, vivem em África e contribuem para nela se radicar a civilização e a cultura que representamos — eis uma causa que justifica os sacrifícios econômicos e o tributo de sangue da Nação. Os soldados que em África se batem, defendem valores indestrutíveis, e uma causa justa. Disso se devem orgulhar e por isso os devemos honrar. Contrariam esta política os racistas africanos que hoje pretendem a expulsão dos brancos da África e só admitem que a África seja governada por pretos. E nisto são acompanhados por muitos países que não conhecem ou não compreendem a orientação portuguesa ou pensam convir-lhes não se oporem ao que julgam ser a fatalidade da História. Para todos esses não há outra coisa a fazer por Portugal senão o abandono puro e simples do Ultramar Português. Ainda há pouco isso foi afirmado uma vez mais. A propósito da publicação em Portugal de um livro em que se faz a análise da nossa posição frente ao problema ultramarino, a Imprensa internacional e os nossos costumados adversários apressaram-se a perfilhar e proclamar tudo o que nessa análise lhes pareceu favorável às suas teses. Mas repudiando simultaneamente qualquer solução que não fosse a entrega imediata do Ultramar aos movimentos chamados “de libertação”. Num “Comitê”, chamado dos 24, das Nações Unidas, que se ocupa da descolonização e por isso nos tem continuamente sob o fogo cerrado dos seus ataques, o repúdio de tudo quanto não seja a entrega aos movimentos terroristas nos termos preconizados na célebre resolução da ONU nº 1514, a que já noutras ocasiões me referi, foi repetidas vezes afirmado pelo observador do M. P. L. A., pelos delegados da Tanzânia, da Indonésia, da Austrália, da Tunísia, do Congo, da Etiópia... E na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos o deputado negro Sr. Diggs, bem nosso conhecido, claramente afirmou que a solução federal para as províncias ultramarinas não poderia ser aceite pelos Estados Unidos nem pelos países africanos. No que todos os estrangeiros, desejosos de nos ver despojados do Ultramar, jogam é no colapso da retaguarda em Portugal. Isso viu-se no entusiasmo com que os meios de informação de tantos países seguiram e avolumaram o episódio militar que a irreflexão e talvez a ingenuidade de alguns oficiais, lamentavelmente, produziu há poucos dias nas Caldas. Ficou o mundo mais bem informado do que se passa em Portugal? Há por aí frequentes queixumes de que não temos por cá informação completa. Nada, porém, do que de verdadeiro se passa e que ao público interesse deixa de ser trazido ao conhecimento dele. Mas não é informar bem o público deitar mão a todos os mexericos, a todas as intrigas, a todas as fantasias, ouvidas nas mesas dos cafés ou a algum intrujão imaginativo, para as lançar cá para fora como grandes e sensacionais revelações. Inventam-se tremendas oposições entre pessoas que mutuamente se respeitam e de comum acordo atuam; divisões internas onde só reina harmonia de vistas; conluios suspeitos em casos em que estão perfeitamente definidas as posições e assumidas as responsabilidades... Não fica informado o público que escuta mentiras. O facto de o boato ser propalado por jornais ou por emissoras não lhe tira o caráter de boato. Na guerra de 1914-18, quando Portugal começou a mandar tropas para a França e para a África, as paredes encheram-se de cartazes em que o Governo aconselhava, entre outras coisas: despreza os boateiros... Está claro que em tempo de guerra ou quando há soldados a arriscar as suas vidas não se pode estar a revelar fatos ou planos que permitam ao inimigo trabalhar pelo seguro e matar a nossa gente. Devo dizer que nisto não somos suficientemente cautelosos. Fala-se demais. E ao condicionar-se a informação não pode deixar de se ter em conta que, de um deslize ou de uma imprudência, pode depender a segurança e a vida de quem está na área da ação do s terroristas ou na zona dos combates contra eles. É inegável que entre a mera curiosidade de alguns senhoritos, que gostam de saber novidades, enquanto tomam o seu café, e a vida dos nossos colonos e dos nossos soldados, não há que hesitar. Gemam embora alguns por não saberem tudo quanto quereriam da marcha das campanhas — não é só a salvação pública que está em causa, é a segurança dos nossos, tantos deles filhos ou parentes de muitos de nós. Todavia, os comunicados periódicos dos comandos das Forças Armadas não ocultam nada do que pode e convém ser conhecido. Voltando ao alvoroço de certos meios de informação estrangeiros, quando vislumbraram a divisão das Forças Armadas em Portugal: não acham que é motivo de meditação? Há pouco, referi-me à irreflexão dos oficiais que se lançaram na aventura de há dias. Irreflexão, por não considerarem que em tempo de guerra subversiva toda a manifestação de indisciplina assume particular gravidade. Irreflexão, por não terem em conta que há manobradores políticos, cá dentro e lá fora, prontos a explorar todos os episódios de que possam tirar partido, para cavar dissensões internas e minar os alicerces do Estado, e para fazer beneficiar interesses do estrangeiro. Não nos esqueçamos de que o estrangeiro trabalha, sobretudo, para o que lhe convém: não está empenhado em, generosa e desinteressadamente, cuidar do bem do povo português. Pode dizê-lo: mas não é verdade. Como recordava há pouco, neste mundo selvagem em que vivemos, cada um trata de si. Ai de nós se não tivermos perfeita consciência dos nossos interesses e não soubermos defendê-los. Os estrangeiros não podem sentir o que nós sentimos quando estamos em África e passamos por Massangano, onde os portugueses do século XVII defenderam Angola, ou pela ilha de Moçambique, onde no século XVI residiu Camões. Não o esqueço eu. Não esqueço a jubilosa multidão nativa que espontaneamente me cercou em Bissau, quando, de surpresa, entrei sozinho na Catedral. Nem o acolhimento entusiasta da população de Luanda. Nem a chegada a Lourenço Marques, numa atmosfera de indescritível alegria, que fez durar horas o trajeto do aeroporto à Ponta Vermelha, constantemente saudado e abraçado por gente de todas as etnias. Nem a juventude da Beira, que me acompanhou nas suas motocicletas, e o colorido da visita à cidade com passagem pelos bairros chineses e industânicos. Nem o espantoso remate com a visita a Nova Lisboa, e a caminhada, a pé, do aeroporto ao Palácio do Governo, no meio de milhares de brancos e pretos, cercado de jovens, na mais exaltante e esfuziante manifestação de patriotismo que me foi dado até hoje viver e que culminou, à noite, com a multidão iluminada por archotes, ao redor da estátua de Norton de Matos, em frente da varanda do palácio onde me encontrava, a entoar, num coro grandioso, o Hino Nacional. Julgam que posso abandonar esta gente que tão eloqüentemente mostrou ser portuguesa e querer continuar a sê-lo? Não. Enquanto ocupar este lugar não deixarei de os ter presentes, aos portugueses do Ultramar, no pensamento e no coração. Procuremos as fórmulas justas e possíveis para a evolução das províncias ultramarinas, de acordo com os progressos que façam e circunstâncias do mundo: mas com uma só condição, a de que a África portuguesa continue a ter a alma portuguesa e que nela prossiga a vida e a obra de quantos se honram e orgulham de portugueses ser!.»
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