quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

14 de Março - A Brigada do Reumático

Durante o mês de Fevereiro de 1974, o impasse militar que se vive nas colónias conduz à agudização das tensões no seio das Forças Armadas. Na sequência da publicação por António de Spínola do livro "Portugal e o Futuro", no qual se defende a tese de uma solução política para a questão colonial e um modelo de autodeterminação e associação de tipo federal para as colónias portuguesas, Marcelo Caetano convoca o chefe e o vice-chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, respectivamente, Costa Gomes e António de Spínola, convidando-os a tomar o poder. 
Perante a recusa dos chefes militares em aceitar tal situação, menos de uma semana depois, a 28 de Fevereiro, Marcelo Caetano apresenta a sua demissão ao Presidente da República, Américo Tomás, que a recusa. 
Perante a degradação da situação política e militar, procede-se então à encenação de uma manifestação de subordinação e solidariedade das chefias militares para com o regime, cerimónia que tem lugar a 14 de Março de 1974 e que ficaria conhecida como a "Brigada do Reumático"
Costa Gomes e António de Spínola que se recusam a comparecer, são exonerados das suas funções, consumando-se a sua definitiva ruptura com o marcelismo. 
 Apenas dois dias depois, o pronunciamento das Caldas, deixaria transparecer todo o mau-estar que se vivia nas unidades militares e a clivagem crescente entre as chefias militares e a suas tropas. 

O documento que se segue é o discurso então proferido pelo representante dos Oficiais-Generais presentes: 

 «Sr. Presidente do Conselho: Como mais antigo dos Chefes de Estado Maior dos ramos das Forças Armadas e ainda em nome dos que compõem esta qualificada representação de Oficiais-Generais, cabe-me o honroso encargo de me dirigir a Vossa Excelência, na alta qualidade que lhe assiste de primeiro responsável pelo governo da Nação e fazemo-lo por dever de consciência a que a todos muito particularmente e neste momento nos sentimos ligados. E porquê nesta ocasião? As Forças Armadas não fazem política mas é seu imperioso dever e também da nossa ética cumprir a missão que nos for determinada pelo Governo legalmente constituído. 
 Ao longo da nossa História de mais de oito séculos, tem sido a união dos portugueses até nas ocasiões mais críticas que tem despertado o ânimo e a confiança necessárias para prosseguir no rumo mais adequado ao interesse nacional. 
Essa afirmação de unidade é também razão da nossa presença. 
 Disse Vossa Excelência, em discurso recentemente proferido que nunca será de mais recordar, que as operações militares em Angola, Moçambique e na Guiné, resultaram da legítima defesa perante uma agressão preparada e desencadeada a partir de territórios estrangeiros. 
De facto, desde 1961 que fomos objecto de insidioso ataque, tendo sido cometida às Forças Armadas de terra, mar e ar, a primordial missão de manter a integridade do solo pátrio. Essa missão de defesa tem sido cumprida com bravura, reconhecido sacrifício, espírito de abnegação, não só pelos oficiais aqui presentes mas também por milhares de outros portugueses, militares e civis que nada solicitando, tudo deram e continuam a oferecer numa exemplar disponibilidade de serviço à comunidade nacional. Quando o interesse colectivo, mormente a protecção das populações que continuam ameaçadas, exige que se prossiga no esforço de defesa em busca de uma paz baseada na justiça e no progresso, acima de tudo queremos manter-nos unidos e solidários. A consecução destes objectivos implicará redobrados esforços, mas tudo valerá a pena quando está em causa a segurança das populações, o desenvolvimento dos territórios, o futuro da Nação. Sr. Presidente do Conselho: Justifiquei a nossa presença neste momento. 
Não será de mais repetir que o militar se distingue pela sã camaradagem, sentido de coesão, capacidade de sacrifício e devoção à Pátria. Virtudes que devem ser tanto mais cultivadas, quanto mais difíceis forem as circunstâncias e as situações. A corporação militar, independentemente das armas em que se diversifica, constitui uma organização coerente e harmónica, pronta a cumprir a missão que lhe é determinada. A lealdade e a disciplina são atitudes fundamentais que o militar não poderá deixar de manifestar nas suas relações hierárquicas. São princípios universais de ética militar que, vale repeti-lo, sempre deveremos ter presentes. Finalmente, move-nos como supremo objectivo, o bem da Pátria. Num momento em que o progresso da Nação e o bem-estar dos portugueses dependem da protecção que lhes é dada pelas forças militares é também oportuno dizer a Vossa Excelência que estamos unidos, firmes e cumpriremos o nosso dever sempre e onde quer que lho exija o interesse nacional.»

 O documento que se segue é a resposta de Marcelo Caetano è declaração de fidelidade proferida pelo representante dos Oficiais-Generais presentes na cerimónia: 


 «Senhores Oficiais- Generais: Julgo da maior importância a presença de Vossas Excelências aqui, neste momento. Dou o maior valor às palavras que em vosso nome acabam de ser proferidas. O Chefe do Governo escuta e aceita a vossa afirmação de lealdade e disciplina. A vossa afirmação de que as Forças Armadas não só não podem ter outra política que não seja a definida pelos poderes constituídos da República, como estão, e têm de estar, com essa política quando ela é a da defesa da integridade nacional. Não precisava eu de ver reiterada a afirmação desses princípios, porque sei que são os vossos. Mas é necessário que o País o saiba também. As Forças Armadas portuguesas têm a sua História intimamente ligada à nossa expansão, nos descobrimentos primeiro, na ocupação depois. Os sacrifícios que hoje se lhes exigem em África são pesados, sem dúvida. Mas encadeiam-se numa acção secular, em que sempre o País ficou devedor da sua grandeza e projeção ao esforço dos seus soldados. Esforço sempre duro, abnegado e quantas vezes heróico. 
 Ainda no princípio do século as marchas se faziam a pé, durante dias e dias, com dificuldades de abastecimentos, ardendo em sede sob um sol inclemente. 
As condições sanitárias eram extremamente precárias. 
A própria rectaguarda não possuía condições satisfatórias de apoio. A ocupação, nos sertões, era assegurada pelos capitães-mores, oficiais do Exército metropolitano ou dos antigos quadros privativos das províncias ultramarinas, isolados de toda a convivência civilizada, às vezes durante anos, mas orgulhosos de saber que da sua diligência e energia dependia o prestígio da soberania portuguesa que representavam. Se os marinheiros dos descobrimentos das carreiras da Índia, penando nas longas e perigosas viagens em que as fúrias das tempestades se aliavam às incomodidades das doenças para pôr à prova a sua coragem e determinação, nos deixaram a epopéia da história trágico-marítima juntamente com a revelação de metade do globo, os soldados da ocupação da África, nesses tempos em que o continente negro era cemitério de brancos e selva eriçada de mistérios e ardis, legaram-nos exemplos extraordinários de perseverança, de resistência física e moral e de patriotismo a toda a prova. Mousinho disse um dia que "este reino é obra de soldados". Do Ultramar português sobretudo se pode dizer terem sido soldados que o trouxeram à Pátria e durante séculos o afeiçoaram a Portugal. Milícia é sacrifício. 
E mesmo num mundo onde o egoísmo desenfreado e o amor das felicidades e dos prazeres parece reinarem, ai de nós se desaparecerem as instituições onde o desinteresse, o serviço da colectividade, a dádiva de si próprio persistam como grandes virtudes morais exemplares. 
 O País está seguro de que conta com as suas Forças Armadas. 
E em todos os escalões destas não poderão restar dúvidas acerca da atitude dos seus comandos. Pois vamos então continuar, cada um na sua esfera, dentro de um pensamento comum, a trabalhar a bem da Nação.»

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