domingo, 19 de janeiro de 2014

Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes
“A grande e trágica realidade, que já se conhecia mas que a campanha eleitoral revelou de forma irrefragável e escandalosa, é que a Igreja em Portugal está perdendo a confiança dos seus melhores. (...)...no Minho católico, mal os padres começavam a falar de eleições, os homens, sem se importarem com o sentido que seria dado ao ensino, retiravam-se afrontosamente da igreja. (...) ... os dirigentes mais responsáveis saltam fora dos quadros e da disciplina, para manifestarem a sua inconformidade e desespero, fugindo ao conhecimento dos assistentes... (...) Está-se perdendo a causa da Igreja na alma do povo, dos operários e da juventude; se esta se perde, que poderemos esperar da sorte da Nação? (...) Num jornal humorístico, Portugal aparecia mendigando à porta da S.D.N. e obtinha esta resposta: aqui não se entra "a la portoghesa"! (...)Na tremenda crise nacional que a campanha das eleições... (...) Não poderei dizer quanto me aflige o já hoje exclusivo privilégio português do mendigo, do pé-descalço, do maltrapilho, do farrapo; nem sequer o nosso triste apanágio das mais altas médias de subalimentados, de crianças enxovalhadas e exangues e de rostos pálidos (da fome e do vício?). (...) ... mesmo no Sul da Espanha ou da Itália, se nota como entre nós o ritmo lento do trabalho, um aspecto de desemprego lavrado, a pequena diferenciação ou quase confusão entre as horas de trabalho e o tempo de lazer — ou lazeira, como melhor se diria, com a voz do povo. (...) Problema de Igreja é igualmente o corporativismo. A Igreja "comprometeu-se", não com o Estado corporativo, mas com a ordem corporativa da sociedade. E bem sabemos, entre nós, como do respectivo Ministério se quer "comprometer" a Igreja na sua doutrinação e acção. (...) ... sinto a tremenda responsabilidade de amanhã, no meio da eventual catástrofe — não cultivo "a visão catastrófica dos acontecimentos" mas não posso também aceitar a táctica da avestruz, que infelizmente vejo difundida de mais — os católicos nos poderem dizer que a culpa foi nossa, por os termos inibido da formação e acção políticas.”

(Carta do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, a Salazar, 13 de Julho de 1958)

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