domingo, 22 de dezembro de 2013

SOBRESSALTO POLÍTICO DE 1958 -"Obviamente, demito-o".-

Humberto Delgado em campanha eleitoral no Porto
Em 1958, o povo português iria "eleger" o Presidente da República. 
A oposição 
escolhe o general Humberto Delgado para afrontar o candidato da União Nacional, Américo Tomás. Humberto Delgado não tem quaisquer reservas em admitir a intenção de destituir Salazar do cargo de Presidente de Conselho de Ministros, caso fosse eleito. Assumia, por conseguinte, o título de General sem medo. Estava apoiado por um amplo movimento fervoso que acabou por surpreender as mais optimistas vontades de mudança. Como tal, o regime fascista tremia, pela primeira vez, de forma convincente. Mesmo estando ciente da burla eleitoral que iria ocorrer e da forte repressão da PIDE, Delgado leva a sua candidatura às urnas, apelando, entusisasticamente, a que os eleitores comparecessem, para desmacararem, através do voto, os "traidores e os cobardes", os que "cometem ilegalidades constitucionais", "os inimigos do povo e dos princípios cristãos". 
As eleições foram ganhas pelo candidato da União Nacional. Ainda assim, a credibilidade do Governo foi fortemente abalada. António de Oliveira Salazar estava ciente da possibilidade de outro fenómeno político semelhante voltar a ocorrer. Clarificavam-se as dificuldades para o Governo em continuar a enganar a opinião pública e subtrair-se às pressões internacionais. 
O Presidente do Conselho de Ministros alterou novamente a Constituição: seria anulada a eleição por sufrágio directo do Presidente da República
Passaria, assim, a ser eleito por um colégio eleitoral restrito. Salazar voltava a recorrer ao subterfúgio das leis para recusar uma inevitável mudança.
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O Café Chave de Ouro está repleto.
Estamos a 10 de Maio de 1958, a um mês das eleições para a Presidência da Republica.
Primeiro acto público com a presença do Candidato Humberto Delgado depois de iniciado oficialmente o período eleitoral. À nossa volta personalidades de todos os matizes políticos que se opõem ao regime salazarista. E certamente não só. A Polícia Política, de uma forma ou de outra não deixará de aí ter ouvidos e olhos para, como usualmente, saber o que se passa e com quem se passa...
 O professor Vieira de Almeida, o primeiro orador, com o brilhantismo que levava às suas aulas gente de todas as escolas superiores de Lisboa, depois de referir a surpresa enorme que teve pela sua investidura como Presidente da Comissão Nacional da Candidatura, considera-a explicada pela presença de tantas pessoas que representam tão diversas correntes de opinião. Faz de seguida a apresentação de Humberto Delgado, General, candidato independente. Não procura o apoio de partido algum. Apresenta-se sem compromissos partidários. Aceita o apoio de todos os homens de boa vontade. Desassombradamente, sem desconhecer o risco que corre. Explica que tal não significa que se considerem em si mesmos ilegítimos os partidos. Pelo contrário. Acrescenta que "a decisão de apresentar a candidatura é tanto mais meritória quanto as condições são nitidamente desfavoráveis". Ergue-se Humberto Delgado. A expectativa não pode ser maior. A sala está suspensa do que seguirá. Os minutos seguintes justificam-na, se todo o cenário não a tivesse justificado já. O General começa por agradecer as variadas presenças. Propõe-se responder às perguntas dos jornalistas. Critica o Governo e a União Nacional pela sonegação dos cadernos eleitorais à oposição. O que "integra a tendência de todas as ditaduras para a crueldade". Prossegue: "O Governo não abranda as suas tradicionais perseguições à oposição". Refuta a referência de determinado jornal à sua candidatura como sendo apoiada por uma potência estrangeira a que contrapõe o carácter indiscutivelmente nacionalista da sua posição desde sempre. Surge a primeira pergunta, do correspondente da France Press. "Qual a sua atitude para com o Sr. Presidente do Conselho se for eleito?"
 E a resposta, imediata, enérgica, sem uma hesitação, sem um tremor:
- "Obviamente, demito-o".
 É difícil acreditar no que estamos a ouvir. Mais que uma frase, é uma bomba. Uma revolução. Por terra a muralha que se opõe ao sacrilégio de dizer em público palavras agressivas ou menos respeitosas para com o "Chefe Supremo". Rebentar da bomba que verdadeiramente inicia o caminho que o introduz na História, e lhe carreia o cognome de "General sem Medo". "Sem medo" contagiante que liberta de muitos medos. E cria outros que o tempo mostrará.

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