sábado, 28 de dezembro de 2013

"A entrevista ao historiador... O 25 de Abril nas palavras do historiador"

"Revolução de 74/75 é a marca genética da democracia" 

 Albano Matos: Marcelo Caetano teve alguns apoios quando chegou ao poder, em 1968. Porque é que cinco anos depois o regime está bloqueado e existe um sentimento generalizado do fim?
 Fernando Rosas: O regime inicialmente teve possibilidades políticas reais de fazer uma evolução. E teve apoios políticos. Primeiro, teve a benevolência da opinião pública. Marcelo Caetano foi recebido com uma expectativa benevolente em relação à mudança. Em segundo lugar, teve - por muito que eles hoje não gostem que se diga isso porque têm um discurso oficial pós-abrilista - a benevolência das oposições. A maioria delas encarava positivamente a possibilidade de o regime mudar e estava disposta a colaborar. (…) (…) 
Albano Matos: E foi o que aconteceu? 
Fernando Rosas: Sim, o cansaço da guerra existia, não se podia manifestar pelo voto, como nas democracias ocidentais, e instalou-se nos militares, sobretudo nos que conduziam a guerra, no terreno, os comandantes de companhia e os capitães, que chegaram à conclusão de que só se podia acabar com a guerra acabando com o regime. 
 Albano Matos: Trinta anos depois voltemos à reflexão hoje muito retomada. Se não tivesse havido o 25 de Abril, estávamos no mesmo ponto onde estamos? 
Fernando Rosas: Não. É uma discussão interessante, mas acho que a revolução de 74/75 é a marca genética da democracia portuguesa. 
Albano Matos: Porquê? 
Fernando Rosas: Porque os direitos, as liberdades, a democracia política foram conquistadas pelas pessoas na rua, no processo revolucionário; não foram oferecidas por ninguém, como, de certa forma, em Espanha. Mesmo que muita coisa tenha ficado pelo caminho, mesmo que tenha sido uma revolução com lutas de hegemonia, que se resolveu por uma espécie de equilíbrio, que travou a revolução mas que também fez a economia de uma contra-revolução. Ou seja: ao contrário do que dizem certos meios neo-liberais e neo-conservadores hoje, a nossa democracia não se fez contra ou apesar da revolução; é filha da revolução. 
 Albano Matos: Mas há dois processos: um golpe de Estado e, a seguir, uma revolução. 
Fernando Rosas: O golpe transforma-se numa revolução, por um duplo processo. 
Trata-se de um golpe de Estado singular na história do país: feito por oficiais intermédios - os que conduziam a guerra no terreno -, que ao triunfar rompe a cadeia hierárquica de comando, decapita as Forças Armadas e nesse sentido anula-as como órgão normal da violência do Estado, transformando-as num movimento revolucionário armado, o Movimento das Forças Armadas (MFA). 
Esta rotura essencial na força do Estado, aliada à tensão social que se vinha acumulando do período final do marcelismo, origina uma explosão. 
 Albano Matos: Quando, mais tarde, os dois pactos MFA-partidos vão condicionar os trabalhos da Assembleia Constituinte, isso é já produto de uma recomposição da instituição militar ou ainda fruto de um jogo complexo de equilíbrios? 
 Fernando Rosas: Cada um dos pactos tem significado diferente. O primeiro, por altura das eleições para a Constituinte, é um pacto que pretende corrigir e diminuir o que penso ser o fenómeno decisivo do processo revolucionário: a realização de eleições para a Assembleia Constituinte em 1975. 
Albano Matos: De que modo? 
Fernando Rosas: As eleições vão constituir, ao lado da legitimidade revolucionária, uma outra legitimidade fortíssima (era para isso que se tinha feito o 25 de Abril): a legitimidade das urnas. Esta desautorizava a condução do processo revolucionário pelo partido que nesse momento o conduzia, em nome da outra legitimidade revolucionária. E este conflito de legitimidades é que vai conduzir todo o processo subsequente. (…) 

Fonte: Diário de Notícias, 20 de Abril de 2004 


1. Comentar a afirmação do historiador Fernando Rosas: " A Revolução de 74/75 é a marca genética da democracia". 

 2. Interpretar o significado da frase sublinhada na entrevista.

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