quarta-feira, 3 de julho de 2013

O MUNDO OCIDENTAL NA VIRAGEM DO SÉCULO XX PARA O SÉCULO XXI

O MUNDO OCIDENTAL NA VIRAGEM DO SÉCULO XX PARA O SÉCULO XXI
A Europa e os Estados Unidos da América, segundo Jacques Delors* (2004)

Olhando para os progressos em matéria de investigação e de tecnologia conseguidos pelos EUA [...] e para a fuga de cérebros e de quadros europeus para a América, temos de convir que é absolutamente necessário encontrar, a nível europeu, [...] os impulsos públicos e as cooperações intereuropeias que nos permitam recuperar o atraso. Existe nos EUA, sobretudo na Califórnia, quer se trate de europeus ou de asiáticos, uma espécie de concentração de cérebros e de capacidades inventivas. [...] Em matéria de pesquisa e inovação, [...] [na Europa] é preciso aumentar os recursos nacionais atribuídos a estas áreas e promover uma cooperação mais estreita entre centros de investigação públicos e privados, privilegiando a excelência. [...] No caso do Programa Galileu [programa de localização por satélites], o acordo financeiro foi difícil, mas conseguiu-se. [Quanto à oposição dos EUA,] com a nova administração [de George W. Bush**], as pressões são ainda maiores do que antigamente. Pelo meu lado, tinha-as sentido, e bem, no plano do comércio, no âmbito das disputas comerciais com os EUA. Agora, porém, sente-se uma vontade sistemática de enfraquecer a Europa. [...] Num mundo de estrondo e de fúria, de ameaças terroristas que vêm somar-se a antagonismos seculares, a construção europeia é o único êxito pacífico de envergadura. Existe, portanto, uma estratégia de paz que [...] deu provas no caso da própria União e de várias outras situações bem definidas, como na Irlanda do Norte e em certos territórios da ex-Jugoslávia, nomeadamente, na Bósnia e na Macedónia, depois dos grandes malogros dos anos de 1991 a 1994. Há quem afirme que os EUA querem levar a cabo sem constrangimentos ações destinadas a defender os valores de alcance universal. No limite, isso adquire a forma de um temível maniqueísmo [oposição entre o Bem e o Mal], ou de confusão entre a religião e a política. [...] Devemos fazer sentir as nossas reservas, se não mesmo a nossa firme oposição, a uma visão maniqueísta do mundo. Há que pôr a questão de saber se os Estados Unidos querem verdadeiramente consolidar a Aliança Atlântica ou apenas têm necessidade de aliados ao sabor das circunstâncias [...]. Deveremos deixá-los procurar no mundo inteiro apoios que justifiquem as suas atitudes e apoiá-los financeira ou militarmente consoante o problema que tenham de resolver ou a guerra em que estejam envolvidos? Se querem realmente uma aliança, que clarifiquem também as suas posições! [...] Desejo, pois, que seja retomada a discussão sobre as finalidades da Aliança e sobre os domínios nos quais o «campo da liberdade», como os americanos lhe chamam, poderia dar o exemplo. Estou a pensar nas intervenções humanitárias de que a União Europeia se fez campeã, na luta contra as armas de destruição maciça e, finalmente, no comércio internacional, uma vez que [...] somos obrigados a procurar algo que permita transformar um acordo sobre comércio numa agenda para o desenvolvimento útil envolvendo todos os países. [...] Os europeus enfrentam três grandes tarefas: assegurar a eficácia e a credibilidade económica e social, construir uma Europa que tenha influência no mundo e dotar-se para isso de instituições que facilitem a decisão e a ação.

** Presidente da Comissão Europeia (1985-1995).

** Presidente dos EUA (2001-2009).

Identificação da fonte
Jacques Delors, Memórias, Lisboa, Quetzal Editores, 2004 (adaptado)

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