sábado, 25 de maio de 2013

O Primeiro Modernismo Português

«Aqueles que, ao findar o século, assistiram simultaneamente ao nascimento do novo século puderam verificar uma modificação total no aspecto exterior dos valores imutáveis da Humanidade. (...) [Em Portugal, com] uma herança literária e artística bastante desorientadora, sobretudo para os que se iniciavam nas letras e nas artes; uma herança literária e artística resumida aos talentos isolados de um período manifestamente decadente; num meio hostil, congestionado de realidades políticas que tiranizavam exclusivamente todo o país; num desinteresse máximo e nacional pelas coisas chamadas do espírito; tais foram os primeiros dias que couberam por sorte aos desta geração. (...) Havia tanto que destruir como de construir, isto é, impunha-se viver. Discutia-se a acção: se não nos entendessem, ao menos que nos ouvissem gritar! Não tardou muito que uns quantos se sentissem visados. A sua oposição excedeu as nossas expectativas (...). Chegaram a apelar para a polícia e para o manicómio (...). Enfim, ódio puro. Um ódio tão evidente e tão incontido que tendo começado por nos surpreender acabava por fazer-nos ver que afinal tínhamos feito já alguma coisa de bom. (...) [Em] 1912, o grupo preparara e fizera sair uma revista literária chamada Orpheu. Pouco depois outra, Portugal Futurista, a qual mereceu uma recolha total pela polícia. Depois a Contemporânea (...). A completar a série das nossas publicações saíram ainda vários números de uma quarta revista intitulada Athena. (...) Simultaneamente ao nosso movimento literário, o grupo completava-se com os pintores vindos de Paris em 1914. Completava-se e excedia-se. Guilherme de Santa-Rita e Amadeo de Souza-Cardoso, duas fortes personalidades opostas, plenas de modernismo e absolutamente inéditas na ideologia e sensibilidade portuguesas, mas portuguesas, encontraram-se menos exilados no seu próprio país do que haviam previsto, ao encontrarem-se com o grupo literário.»

 José de Almada Negreiros, «Pioneiros», Obras Completas, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda,1993

Sem comentários:

Enviar um comentário